As linhas que pretendíamos escrever
já o foram há algum tempo de forma indiscutível, irretocável e absolutamente a
salvo de senões.
Sua autora, a Aspirante Carla
Andrade, integrou a Primeira Turma Feminina da Escola Naval e sentiu a
dimensão do vazio que seu ineditismo provocou na grande mídia do país.
Percebeu a profundidade da tragédia social brasileira ao olhar a
fotografia que registrava aquele momento e a
solidão dos valores que ali via representados.
Resolveu então descrever toda a sua
incompreensão, toda sua incredulidade com o que vem corroendo nosso tecido
social e os meios de comunicação que o permeiam. Suas palavras ecoam com a
força da verdade desnudada e precisam ser lidas, relidas e provocar longa
reflexão em cada um de nós.
"Uma foto e vários sentimentos"
"De todas as transformações que nosso país enfrenta, não tenho dúvida de que a pior delas é inversão de valores. Não estou falando dos atores, mas da platéia.
Quem determina o sucesso de um espetáculo é o público. Por melhor que sejam os atores e o enredo, se o público não aplaudir a turnê acaba.
Nós somos a sociedade, nós somos a platéia, nós dizemos qual espetáculo deve acabar e qual precisa continuar. Se nós estamos aplaudindo coisas erradas, se damos ibope a pessoas erradas, de que estamos reclamando afinal?
Somos nós que continuamos consumindo notícias de bandidos presos e condenados.
Somos nós que consumimos notícias de arruaceiros que ganham mesada para depredar o nosso patrimônio.
Somos nós que damos trela para beijaços, toplessaços, marcha de vadiaças, dos maconheiraços, dos super-heróis que batem ponto em "manifestações" (e que gostam de cozinhar-se dentro de uma fantasia num sol de 45 graus) e todos os tipos de histéricos performáticos que querem seus 15 minutos de fama.
Quando fazemos isso, estamos dando-lhes valores que não têm. Estamos dando-lhes atenção. Estamos dedicando-lhes nosso precioso tempo.
Passou da hora de dar um basta nisso!
Porque os nossos jornais estão recheados de funkeiros ao invés de medalhastes olímpicos do conhecimento?
Porque vende-se mais jornal com notícia de um funkeiro que largou a escola por já estar milionário, do que de um aluno brilhante que supera até seus professores?
Porque sabemos os nomes dos BBBs e não sabemos os nomes dos nossos cientistas que palestraram no TED?
Porque muitos não sabem nem o que é o TED? Ou Campus Party?
Porque um evento histórico para o Brasil como o ingresso da primeira turma feminina da Escola Naval não é noticiado?
Porque um monte de alienadas com peitos de fora merecem mais as manchetes do que as brilhantes alunas que conquistaram as primeiras 12 vagas da mais antiga instituição de ensino superior do Brasil?
Porque continuamos aplaudindo a barbárie, se ainda temos valores?
O país não mudará se nós não mudarmos o foco!
Os políticos não mudarão se nós não refletirmos a sociedade que queremos!
Já passou da hora de nos posicionarmos!
Ostracismo a quem não merece a nossa atenção e aplausos para quem faz por merecer.
Merecer! Precisamos devolver essa palavra para o nosso dicionário cotidiano.
Meu coração ao olhar essa foto, hoje, se divide em vários sentimentos distintos.
Muito orgulho de ser mulher e me ver representada por essas guerreiras.
Elas não estão fazendo arruaça pleiteando igualdade. Elas conquistaram a igualdade estudando e ralando muito.
Elas tiveram que carregar na mão as suas malas pesadas no dia em que entraram na Escola Naval. Não puderam puxar na rodilha, não! Tiveram que carregar na mão, igual aos aspirantes masculinos.
Elas foram e fizeram.
Ao contrário das feministas de toddynho, não estarão nas manchetes dos jornais de hoje e isto me evoca outros sentimentos.
Sentimentos de revolta, de vergonha e de constrangimento frente a essas mulheres que não serão chamadas de heroínas por apresentadores de televisão, mas estão dispostas a morrer como heroínas por nosso país.
Parabéns, Primeira Turma Feminina da Escola Naval de 2014.
Vocês são a dúzia que vale mais que milhares!"
Aspirante Carla Andrade
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