O Brasil tem
hoje mais de cinco mil municípios espalhados por seu território e a grande
maioria deles não possui os requisitos mínimos para sua independência político-administrativa,
sobrevivendo graças aos repasses
federais. Sua multiplicação desenfreada é fruto de uma política equivocada que
demorou a ser interrompida e que, recentemente, essa intrépida classe
corrompida desde a alma tentou reeditar, mas sem êxito por enquanto. O resultado
desse enorme erro foi um gigantesco aumento das despesas federais de sustento e
uma irrefreável farra política.
Se olharmos atentamente
para os países de primeiro mundo e para aqueles cuja tradição de origem aponta
para comportamentos éticos e valores morais mais sólidos, veremos que seu
sucesso, no tocante aos índices de qualidade de vida e estrutura social, reside
na escolha de modelos mais conservadores no desenvolvimento dos tecidos urbano
e demográfico de suas cidades. Qualquer viajante pode atestar isso, bastando
deslocar-se entre as cidades da Europa, por exemplo; é fácil perceber quando
nos aproximamos de um novo destino pelo simples avistar de sinais urbanos como
construções mais próximas, placas, o campanário de uma igreja ao longe a
indicar a região central... Em todas elas percebe-se que não são gigantes e nem
apresentam enorme densidade populacional. Pelo contrário, a média das grandes
cidades pouco ultrapassa a casa do milhão de habitantes e as de menor porte
ficam na casa dos milhares, coisa de 50 a 150 mil quando muito. Trata-se de um modelo
racional de ocupação que sempre se estabelece em torno de atividades
comerciais, agrícolas ou industriais, mas que promovem e mantém seu
desenvolvimento de forma ordenada. Até mesmo as grandes metrópoles mantém essa
filosofia, com raras distorções surgidas onde houve um crescimento mais
exacerbado que culminou nas megalópoles, onde a manutenção desses propósitos é
mais difícil e gera distorções nos padrões desejados.
Não tenho
aqui a pretensão de aprofundar essa abordagem e tratar em detalhes as megacidades
tipo São Paulo, Cidade do México, Nova Délhi, Shangai, New York ou Tóquio, ou
abordar suas peculiaridades. A citação serve apenas como pano de fundo para
referenciar o tema que desejo tratar aqui.
Maricá
possui todos os ingredientes possíveis para ser uma cidade esplendorosa,
exuberante em suas riquezas naturais, modelar em seu tecido urbano e
insuperável em qualidade de vida. É um município de grande extensão
territorial, encontra-se a poucos quilômetros da segunda maior cidade do país –
Rio de Janeiro – e com outro grande centro a meio caminho – Niterói – e ainda
apresenta uma concentração populacional passível de ser ordenada
civilizadamente. Afinal, com pouco mais de 120 mil habitantes entre residentes
e flutuantes, Maricá ainda poderia ver realizar sua vocação de exceção nesse
país tão disforme, social, econômica e culturalmente falando.
Desgraçadamente,
no entanto, uma interminável sucessão de administradores públicos fracos, mal
intencionados, desprovidos de visão estrutural, corruptos ou simplesmente a
soma de tudo isso, tem condenado Maricá a uma lenta, gradual e quase inexorável
destruição de seu possível futuro, enquanto torna o presente um exercício de
tolerância, sofrimento e indignação para quem vive em seus limites geográficos
por origem ou escolha.
À semelhança
de tantas outras cidades – e apesar de todos os vetores que lhe permitiriam a
diferença – brasileiras e, em especial, de nosso Estado, Maricá assiste
passivamente a um acelerado processo de favelização que se faz acompanhar, como
sempre, de uma aguda deterioração do meio ambiente pela criminosa falta de
planejamento sanitário, pelo desrespeito à propriedade privada e todas as outras
distorções de cunho social e humano que acompanham esse processo capitaneado
por interesses políticos escusos, leniência dos poderes e arcabouço legal
tíbio.
Não bastasse
essa questão da falência de uma pretensa política habitacional jamais
implementada, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, a má qualidade dos
quadros político-administrativos do município conduz a uma interminável série de
equívocos: desordem urbana, ausência de planejamento no uso dos recursos,
corrupção quase que endêmica e baixos índices de desenvolvimento.
Durante
algum tempo foi verdadeiro afirmar que por falta de recursos econômicos Maricá
seguia estagnada, sem perspectivas reais de crescimento ordenado, mas há muito esse
panorama desapareceu do cenário maricaense e, pelo contrário, os últimos
dirigentes da cidade poderiam projetar um futuro sem paralelos, com a garantia
dos royalties advindos da exploração de petróleo no litoral fluminense.
O que impede
Maricá de ser um exemplo de ordenamento urbano, se não nos falta espaço físico?
Porquê não há um plano diretor sanitário desenhado para execução sem hiatos de
continuidade de natureza política de qualquer sorte? Porquê a Câmara Municipal
não cumpre seu papel de balizar as ações do Executivo e fazê-lo seguir suas
diretrizes? Que barreiras poderiam existir para a cidade não oferecer aos seus
habitantes serviços públicos de qualidade – limpeza, educação, saúde,
transporte e segurança, apenas para ficar no modelo de estado mínimo – e uma
rotina de manutenção do conjunto de equipamento urbano compatível com a
arrecadação?
Claro que
todas essas respostas são fáceis e sobejamente conhecidas pela camada pensante
da nossa sociedade. É evidente que não podemos ser ingênuos a ponto de
desprezar a nossa realidade, nossa triste constatação do tecido social brasileiro
puído. Não é isso.
A revolta, a
indignação que nos corrói rotineiramente se alimenta do fato de podermos mudar
em pouco tempo essa realidade em nosso quintal e nada ser feito! Não há reação,
não há movimentos que venham levantar de forma séria e coordenada as exigências
óbvias para a mudança ter lugar! Uma sociedade se torna responsável por seu
destino quando deixa transparente o que deseja de seus líderes e os depõe
quando estes não atendem suas demandas. É a sociedade, a porção formadora de
opinião e desígnios desta sociedade, quem determina o caminho a seguir, não sua
camada inerme. Até quando ficaremos assistindo ao caos sem reação?
Maricá é um
exemplo. Pena que somente mais um mau exemplo, mais uma vocação perdida pela leniência
coletiva, pela acomodação preguiçosa, pelo comportamento umbilical de seus
indivíduos em todas as classes e em todos os setores.
Ando pelas
ruas, praias, lagoas, montanhas e trilhas desta cidade abençoada pela natureza
e ao mesmo tempo amaldiçoada por seus políticos e eleitores com o coração
apertado, sangrando.
Meu olhar
percebe o que talvez outros não consigam, não queiram ou simplesmente não se
lhes importe ver.
Minha visão
de uma Maricá excepcional me faz sorrir internamente e chorar sem esperanças de
vivê-la.
Minha
tristeza é por ter a mais absoluta convicção de que seria possível, real e verdadeiro um dia poder afirmar orgulhosamente: Maricá é um
exemplo.
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